Tirem o formal da idade!

 

Formalidades. Toda e qualquer condição que nos retira a individualidade, a vontade e o à vontade de sermos nós, durante todo o ciclo de vida.

Desde que nascemos que existem inúmeras alturas da nossa vida em que temos de estar à altura daquilo que a sociedade espera de nós: a forma de vestir, a forma de estar, a forma de comunicar, o que comunicar, respeitar quem não nos respeita, esperar por quem não espera por nós, dar o que nunca nos foi dado, pensar como os outros pensam, viver vidas que não são as nossas. Os dias vão passando, as máscaras vão-se acumulando e assim, num instante, passou-se uma vida.

Habituamo-nos a ser, muitas vezes, quem não somos e perdemos a nossa identidade pelo caminho. Chegamos à idade avançada, àquela em que é esperado que nos conheçamos como ninguém, em que saibamos tão bem o que gostamos e o que queremos, não tendo problema nenhum em demonstrá-lo e, até aí, nos exigem o formal, da idade! Não querem que nos preocupemos com as compras, não querem que nos preocupemos em escolher o que queremos vestir, o que queremos comer, até nos querem esconder as doenças que temos! 

Afinal, não é suposto… viver?

A sociedade tem de entender que ser mais velho é só sinónimo de maior sapiência, maior conjunto de vivências, maior capacidade de análise, muitas vezes maior vontade em experimentar e viver! Nem sequer há viabilidade de, após tantos anos de vida, de luta, de trabalho, de amor, de ligação, alguém ousar que pode decidir/pensar/fazer por nós o que quer que seja. Não se deixem enganar por, às vezes, termos um aspeto mais frágil, que nos esqueçamos de determinadas questões ou mesmo só porque não queremos falar sobre determinados assuntos. Muitas das vezes, já nos acautelamos anteriormente para que, mesmo em situações de perda, a nossa vontade prevaleça.

Todo o processo de longevidade só será aceite por cada um de nós e por todos nós em conjunto quando percebermos que falamos do ciclo de vida, do desenrolar dos nossos dias, daquilo que pretendemos do tempo. Tiremos a formalidade da vida, tiremos o formal da idade. Será que temos de ser sempre aquilo que os outros esperam de nós? Será que não podemos ser únicos e especiais? Terei de chegar à velhice com um sentido de frustração tão grande porque nunca me foi permitido viver a vida que eu quis?

Penso muitas vezes no que estamos nós a fazer à sociedade, aos dias de cada um. Afinal, o que é importante? A vida que vivemos é de quem e para quem? Sei que a vida é finita, que há um tempo para fazer o que planeamos, tempo esse que não é nosso pois não sei quando acaba, mas sei que acaba.

Será que está na altura de mudarmos algo?


“Se calhar sim

Se calhar a culpa vem da terra onde eu nasci

Se calhar esta cultura fez-me ser assim

Tristeza que trago foi de vós que recebi” (Silêncio, Slow J)


O que vejo agora nos mais velhos, vejo em mim? Será que aceitarei a forma como cada um de nós e todos nós, em conjunto, me irão tratar? Se eu quero ser a mudança que quero ver no mundo, é nisto que tenho de pensar. É na razão de não aceitarmos a longevidade, o mais velho, aquilo que nos aproxima da morte. O que nos retrai? Do que teremos receio?

Estamos já a percorrer um caminho interessante na evolução do paradigma da longevidade, com muitas pessoas seriamente interessadas em alterar o que se vive nos dias de hoje. Essas mesmas pessoas sabem, também, o quanto ainda falta para conseguimos atingir plenamente o que pretendemos (se algum dia lá chegarmos). A mudança do pensamento e do cuidado relativamente aos mais jovens fazem-me acreditar que é possível fazer o mesmo pelos mais velhos. Afinal são pessoas, com opinião, com valor social, com competência humana, com todas as características que, enquanto meros adultos, tanto almejamos alcançar. 

Quando percebermos que para sermos felizes na maior idade temos de ser felizes todos os dias, iremos mudar efetivamente a nossa forma de ser e estar na vida.


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